Juliana Marques
Ela se multiplica com rapidez pelas células dos insetos e não admite concorrência. Uma das novas promessas para frear a transmissão da dengue em artrópodes - como o vilão Aedes aegypti - é a bactéria do gênero Wolbachia, um organismo unicelular poderoso, capaz de controlar populações inteiras de mosquitos ao impedir a contaminação do vírus. É o que afirma um estudo promissor da Universidade de Queensland na Austrália, em parceria com o Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR), da Fiocruz em Belo Horizonte.
Um dos autores do trabalho, o engenheiro agrônomo do CPqRR, Luciano Moreira, explica que os danos causados pela bactéria nos tecidos dos insetos são tão agressivos que mudam o comportamento dos artrópodes, especialmente dos animais adultos, que passam a viver menos. “Verificamos que alguns grupos de Wolbachia infectam especialmente as fêmeas dos mosquitos, que já passam a eclodir ovos contaminados. Mas espécies como Aedes aegypti e Anopheles spp não carregam naturalmente a bactéria. O desafio, portanto, foi injetá-la no tórax dos insetos em laboratório e observar se ela passaria a ser transmitida para outros mosquitos da espécie”, contou.
Nos experimentos realizados com um dos gêneros da Wolbachia, a Wolbachia pipientis (ou Wmelpop) foi a mais agressiva, e ocasionou comportamentos surpreendentes nos mosquitos. “Ela se multiplicou nas células com bastante rapidez. Realizamos os testes com mosquitos de 35 dias - idade em que as fêmeas se alimentam de sangue humano para maturar os ovos. Os insetos contaminados com a Wmelpop não conseguiam se alimentar: eles pousava na mão do voluntário, mas não conseguiam introduzir a tromba e sugar o sangue”, explicou. Abaixo, o vídeo feito pelo grupo de pesquisadores mostra a dificuldade do inseto para se alimentar e acaba morrendo por inanição.
Posteriormente os cientistas montaram gaiolas especiais para os mosquitos se reproduzirem em cativeiro com temperatura ambiente e umidade ideal. Assim, eles puderam verificar que as bactérias também se multiplicaram e continuaram nas células dos mosquitos nas gerações seguintes. O próximo desafio foi soltar os Aedes com Wolbachias em um vilarejo local e verificar se os mosquitos selvagens também passariam a carregar a bactéria. “Verificamos que 10 semanas depois, 100% da população de mosquitos já apresentava a Wmel em suas células. No entanto, ainda não é possível medir se as bactérias poderão eliminar o arbovírus da dengue de forma efetiva, já a região não é endêmica da doença”, afirmou Moreira.
Na foto A, o mosquito saudável suga com facilidade o sangue do voluntário. Já o mosquito B, contaminado com as Wolbachias, não consegue se alimentar e morre por inanição (Foto: Luciano Moreira) |
Para comprovar a eficácia da bactéria, portanto, a equipe realizará os próximos testes em países como Vietnã e Tailândia, onde a dengue deixa a população em alerta. O pesquisador comentou ainda que já existem planos de trazer o estudo para laboratórios brasileiros, no Rio de Janeiro: “No entanto serão necessários muitos estudos, já que as regiões são bastante diferentes, bem como o comportamento dos mosquitos. Por isso é preciso ter cautela antes de introduzir a Wolbachia nos Aedes brasileiros”.
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Saiba mais sobre o projeto contra a dengue na Austrália (em inglês)