26 de mai. de 2011

Uma discussão pelos nossos campos e florestas

Nova proposta para o Código Florestal Brasileiro é aprovada e põe a biodiversidade em risco

Juliana Marques e Páulea Zaquini

De um lado, os interesses de grandes proprietários de terras, e do outro, a preocupação de ecologistas com as florestas brasileiras. Em pleno Ano Internacional das Florestas a câmara dos deputados aprovou na última terça-feira, 24 de maio, um novo texto para o Código Florestal Brasileiro, que está em vigor desde 1965. Por quê modificar o Código? O que acontece se a nova lei entrar em vigor? Como posso participar do debate? Saiba mais sobre o assunto que ainda está movimentando a capital federal e cidadãos em todo país.

A ideia de uma nova proposta para o Código Florestal atual surgiu há mais de uma década, e ganhou força especialmente após a Lei de Crimes Ambientais passar a fiscalizar e punir produtores rurais ilegais. Mas para o engenheiro florestal Paulo Barreto, as multas não foram as únicas a mobilizar mudanças: “Ficou mais claro para a sociedade que a gravidade de enchentes e desmoronamentos está relacionada aos crescentes desmatamentos e problemas ambientais”, afirma Barreto, que é pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e mestre em Ciências Florestais pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos. 

Desde então, o governo passou, por exemplo, a restringir o financiamento bancário de muitos fazendeiros que não cumprem a lei, deixando descontentes diversos representantes do agronegócio. Diante das exigências, um grupo de parlamentares se reuniu na Câmara e criou a Comissão Especial do Código Florestal, liderada pelo deputado federal Aldo Rebelo (PcdoB, SP), relator das mudanças da Lei atual – a substitutiva 1876/99.

Ambientalistas alertam que com a aprovação do novo Código, pelo menos 20 milhões de hectares serão perdidos na floresta Amazônica (Foto: André Deak/CC)
 As modificações, no entanto, divergiam até mesmo do ponto de vista do governo, que foi derrotado na Câmara. Ao alterar o Código – instituído para proteger a fauna e flora brasileira - os deputados pretendem regularizar os produtores, mas segundo especialistas, o meio ambiente será o maior prejudicado. No texto vigente, a lei garante a manutenção de áreas importantes aos processos ecológicos, pois destaca que a preservação dos recursos naturais garante a manutenção da vida e da biodiversidade.

Uma das divergências está em torno das Áreas de Proteção Permanentes (APPs), pois a nova lei permite que as plantações avancem em áreas delicadas como várzeas, topo de morros com declive elevado (cobertos ou não com vegetação nativa), margens de rios, lagos e reservatórios. A substitutiva perdoará ainda dívidas de desmatamentos ilegais realizados até 2008 e isenta minifúndios e pequenas propriedades rurais a manterem áreas reservadas para preservação de mata nativa.

Barreto explica que os maiores impactos nas florestas serão causados a partir de incongruências existentes na proposta de Rebelo: “O projeto dá um prazo de um ano para os produtores aderirem a um projeto de regularização ambiental. Porém, estabelece que este prazo pode ser prorrogado sem impor um limite de quantas vezes ou por quanto tempo a prorrogação poderá ocorrer. Assim, há risco de uma infinita prorrogação e falta de recomposição florestal na prática. Além disso, quem desmatou a Reserva Legal deveria recuperá-la por mata nativa, mas a proposta possibilita a  recomposição com até apenas 50% de espécies exóticas. A nova lei dispensa ainda os imóveis de até quatro módulos ficais de recuperarem a Reserva Legal desmatada. Estes imóveis podem variar de 20 a 100 hectares dependendo do município. O risco é que imóveis maiores sejam subdivididos para evitar a recuperação”.

Durante o debate, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) formaram um grupo de trabalho para oferecer ao debate dados e argumentos técnicos-científicos que foram ignorados pelos relatores. As entidades acreditam que seriam necessários mais dois anos de discussões para a elaboração de uma lei justa e moderna no ponto de vista científico. Por isso, divulgaram um documento em que apresentaram considerações sobre o tema. Leia abaixo o trecho em que os especialistas destacam a importância da manutenção de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as áreas de Reserva Legal (RL):

O entendimento da importância da manutenção de áreas naturais como APPs e RLs na propriedade rural é fundamental , já que existe a concepção errônea de que vegetação nativa representa área não produtiva, com custo adicional e sem nenhum retorno econômico para o produtor. No entanto, essas áreas são fundamentais para manter a produtividade em sistemas agropecuários, tendo em vista sua influência direta na produção e conservação da água, da biodiversidade e do solo, na manutenção de abrigo para agentes polinizadores, dispersores de sementes e inimigos naturais de pragas das culturas, entre outros. Portanto, a manutenção de remanescentes de vegetação nativa nas propriedades e na paisagem transcende seus benefícios ecológicos e permite vislumbrar, além do seu potencial econômico, a sustentabilidade da atividade agropecuária e a sua função social.  (leia aqui o documento na íntegra)

Segundo Barreto, o cuidado com as nossas florestas também é crucial para evitar desastres ambientais: “Parte das margens de rios e morros já desmatados deveriam ser recuperados, mas o projeto isenta parte desta recuperação. Assim, estas áreas continuariam sujeitas ao risco de enchentes e deslizamentos os quais poderão ficar mais comuns com o aumento de chuvas associado às mudanças climáticas”, completa.

Saiba mais

Acesse a versão virtual da nova proposta do Código Florestal – a substitutiva 1876/99


Acesse a Cartilha Código Florestal, elaborada pela ONG WWF e saiba o que está em jogo na discussão

Leia o documento Código Florestal: Como Sair do Impasse escrito pelos pesquisadores do Imazon Paula Ellinger e Paulo Barreto 

Blog AMAZÔNIA Sustentável 

Site da Fundação SOS Florestas 

Assista ao vídeo elaborado pela Fundação SOS Florestas, em parceria com a Fundação Boticário 

Artigo publicado no Jornal Estado de São Paulo, do agrônomo Xico Graziano


Glossário

Áreas de Proteção Permanente (APPs) | Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de conservar recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, proteger o solo e assegurar o bem-estar da população. Enquanto ambientalistas defendem a preservação destas áreas, ruralistas afirmam que grande parte delas é mal aproveitada.

Reserva Legal (RL) | Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, exceto a de preservação permanente, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa. O tamanho da reserva varia de acordo com a região onde a propriedade está localizada. Na Amazônia, é de 80% e, no Cerrado localizado dentro da Amazônia Legal é de 35%. Nas demais regiões do país, a reserva legal é de 20%.